terça-feira, 12 de outubro de 2010

Que Igreja é essa?


Tomo a pena na mão, depois de longo inverno, para tentar refletir um pouco acerca de um fenômeno crescente, intrigante e revelador: a influência da "moral evangélica" no processo eleitoral e, por que não, na sociedade brasileira.

O que durante muito tempo foi apenas um gueto, agora é o fiel da balança. O grande arraial evangélico, de tantas cores e tons, revela sua essência tão incrivelmente semelhante.

Nas eleições municipais aqui do Rio de Janeiro, já se viam, de longe, as bem-sucedidas operações de boataria, calúnia e, sobretudo, manipulação do tacanho e incompetente horizonte de reflexão política do povo evangélico.

Cito uma experiência pessoal. Em 2008 fui presidente da Associação de Igrejas Batistas na Ilha do Governador, instituição meramente denominacional, que estimula o trabalho conjunto das Igrejas Batistas do bairro. Quem conhece, sabe que a política aqui da Ilha é dominada por uma única família e sustentada por currais eleitorais. Sofremos com vários problemas sociais que nunca são discutidos no âmbito da denominação. Mas naquele ano concorria à prefeitura alguém chamado Fernando Gabeira (PV), personagem controvertido e de fama absolutamente reprovável aos olhos das lideranças evangélicas. Foi então que, no 2º turno, diante do crescimento de Gabeira nas pesquisas, mesmo lutando contra a máquina da aliança Cabral-Lula, recebi uma ligação de uma liderança política daqui. Na ligação, a pessoa que me identificava como presidente da Associação, convocava uma reunião com as lideranças evangélicas do bairro para tratar de um assunto de interesse de todos: A AMEAÇA GABEIRA. Dizia ela: "Ele vai legalizar a maconha, vai legalizar o casamento de homossexuais, vai transformar a cidade em Sodoma e Gomorra...". Em nossa Igreja, ouvi diversas pessoas dizerem que não tinham escolha: não poderiam votar num "homossexual maconheiro".

No 1º turno, Eduardo Paes, apoiado pela Igreja Católica, fora abençoado pelo arcebispo da cidade. Marcelo Crivella, Bispo da Igreja Universal, foi abençoado por Edir Macedo. No 2º turno, Paes ganhou a dupla bênção. E a eleição. O resultado foi impressionante: Eduardo Paes, do PMDB, que no PSDB tinha ofendido Lula e sua família na crise do mensalão, era eleito prefeito com 1.696.195 votos (50,83%), contra 1.640.970 votos (49,17%) de Fernando Gabeira. A abstinência foi recorde: mais de 900 mil eleitores não compareceram às urnas.

O eleitorado evangélico declarou, em peso, rejeição à Gabeira.

Agora, em 2010, o mesmo PV odiado pelos evangélicos do Rio de Janeiro teve como candidata à presidência Marina Silva, evangélica. Assistimos, então, ao fenômeno da conversão: o PV arrebatou mais de 2,5 milhões de votos no estado e Marina se transformou em xodó das igrejas. No cenário nacional, foi notória a participação dos evangélicos e sua responsabilidade na realização de um 2º turno.

Fui pressionado, enquanto pastor, a exibir um vídeo amplamente divulgado pelas igrejas, onde um pastor batista pede abertamente aos membros de sua igreja que não votem no PT, pois esse partido deseja institucionalizar a iniqüidade e assim trazer o juízo de Deus ao Brasil. Parece loucura medieval, mas é verdade. Parece ridículo, mas quase 3 milhões de pessoas assistiram ao vídeo no You Tube e milhares de igrejas o exibiram durante seus cultos. O voto de cabresto ameaçava apenas para essa vida. Não obedecer ao pastor e votar no PT é uma ameaça para toda a eternidade.

Agora, diante do 2º turno, ouvi alguém dizer lá na Igreja: "Se a Dilma ganhar, estamos fritos. Meu neto me mostrou um e-mail que conta detalhes do programa dela. O PT pretende fechar igrejas, legalizar a pedofilia, obrigar as igrejas a aceitarem os homossexuais... E tem mais: o Michel Temer - vice da Dilma - é satanista. A Dilma está doente. Vai morrer. O vice assume e teremos um satanista como presidente do Brasil. Cuidado!"...

É demais!

Por isso o título desta postagem. Que Igreja é essa? Somos rebanho mesmo! Massa de manobra. Incapazes de refletir criticamente. Guiados por ventos, modas, tv, rádio e Internet.


Estou cada vez mais convencido de que essa Igreja que aí está pode ser tudo, menos o que Jesus veio fazer aqui.

Continuem, igrejas. Continuem com seus projetos de mega-templos, CD's, programas de TV, cristandade... Continuem, pastores, com seus grandes salários, carros, conforto, brisa, fama e poder. Continuem. O Inferno é logo ali. Ele, para vocês, existirá com chamas ardentes.

Só peço a Deus que me dê um coração sensível. E olhos. Olhos que percebam Jesus nos famintos, nus, sem-teto e sem-terra, enfermos, presos e marginalizados, escondidos nas manjedouras ou bem presentes no caminho entre Jerusalém e Jericó.

Deus, ajuda-nos! Livra-nos desta igreja...

9 comentários:

  1. Que "surpreendente"!!! Todos nós sabemos que a "regra" é essa que você denuncia. Não dá para ter consciência política sem uma ruptura total com esse tipo de igreja e religiosidade. Não dá para servir a dois senhores...

    Eu, ao contrário de você, não pergunto mais pelo paradeiro da igreja ("Que igreja é essa?"). É exatamente essa que você questiona que é a igreja. Basta olhar para a história de vergonha da igreja cristã para saber que a atual atitude de líderes e seguidores fanáticos não é em nada nova.

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  2. olá, caro colega.
    respondo ao teu excelente texto com a crítica que postei no meu blog, poucos dias antes do primeiro turno das eleições.
    o texto é de sábado, 25 de setembro de 2010, e chama-se "A infelicidade do voto de cabresto evangélico". segue o endereço abaixo. há braços...

    http://cleintongael.blogspot.com


    liberdade, beleza e Graça...

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  3. Caro Leonardo, como sempre colocando posições importantes de um cristão. Porém achei que deveria ser mais incisivo neste ponto.

    Estou ficando muito chateado com os cristãos (evangélicos e católicos) que estão nesta campanha!!! O que vou escrever aqui já escrevi umas 3 vezes! Mas não me cansoooo!!!

    Neste vídeo que vc disse o pastor diz claramene "não tenho o costume de falar isto na minha igreja...", ou seja, é um momento apenas eleitoral... Quem está ganhando com isto?

    As igrejas só se mobilizam politicamente em período das eleições? Isto mostra que Fé&Política são inseparáveis, porém quando ocorre o evento ecumênico chamado Fé&Política só vai uma pequena parte da igreja católica um pouquinho de evangélicos.

    INIQUIDADE maior é o capetalismo e o pastor não fala em nenhum momento... Por que não fala? A teologia cristã que propõe responder a totalidade não consegue dedicar uma missa, um culto, um ritual qualquer... para as questões sociais postas pelo capetalismo. Ou seja, as igrejas continuam servindo à ideologia dominante demonizando os negros não cristãos, as mulheres, as culturas afro, etc. Até quando? Não basta a igreja católica ter apoiado a ditadura militar ou ela sempre mostrará como roubar e como ser reacionária? O que as igrejas tem apresentado nos últimos anos padres roubando dinheiro para ir para Europa, para equipar casa, estuprando crianças, etc. Os pastores? Esses se dedicam, especificamente, ao capital e se não me falha a memória tem um casalzinho de pastores presos nos E.U.A.

    Igreja Católica caiu como uma luva para o feudalismo e os protestantes servem como carneirinhos para o capitalismo. Até quando?


    Não sou petista, não sou marinista, etc. Sou cristão a favor da vida, mas não que a vida se resuma ao ato de abortar ou não. Sou a favor da vida que está na favela, numa ocupação urbana, numa ocupação rural e em outros lugares precários/excluídos das cidades e campos do mundo. E qual é a proposta das Igrejas para RESOLVER estes problemas sociais?

    Cristão e não cristãos não caem na lorota eleitoreira das igrejas... Outra coisa, para mim seria mais coerentes os cristãos (ou não) votarem no PSDB assumindo que são simpatizantes do PSDB. Aí fica nítido quem os cristãos pobres devem combater.

    Assinado Gustavo Ferreira um cristão de saco cheio de igrejas.

    obs: eu estou me esforçando para acreditar que a igreja pode mudar toda história que ela carrega, mas ta difícil....

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  4. Mais do que voto de cabresto. É difícil saber no que acreditar nessa guerrilha de informações. O Temer escreveu também um e-mail (ou alguém com o nome dele) afirmando que o boato dele ser satanista não é verdadeiro. Parece mais com a guerra de informações na época de Hitler... e o pior, Goeblles, responsável pela propaganda nazista dizia que "uma mentira repetida diversas vezes torna-se uma verdade". Está muito difícil exercer o discernimento nesses dias de boato internético, com toda capa de verdade.

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  5. Olá meu querido!!!
    Parabéns pelo texto. Só não entendi quando você diz que foi pressionado, enquanto pastor a exibir um vídeo. É isso mesmo?

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  6. Prezado colega,

    O despreparo político aliado ao obscurantismo religioso resulta numa perigosa mistura ideológica travestida de pseudo-piedade e pseudo-engajamento político.
    A histórica postura e princípio reformado de independência igreja x estado tem sido posto de lado em nome dos propósitos mais estranhos. Observe que agora no 2º turno, destacadas lideranças 'evangélicas' (não sei se cristãs) estão se posisiconando publicamente atrelando sua imagem a este ou aquele candidato. A troco de que um pastor ou líder denominacional assumiria estar ao lado de um(a) candidato(a) num momento efêmero em que propostas e planos de governo são metamorfoseados para que a vitória no pleito seja alcançada a qualquer preço? Por qual motivo um(a) pastor(a) emprestaria seu nome e depoimento a alguém que em nome de um projeto de poder clientelista e fisiologista, comprometendo a ética do Reino de Deus e vendendo a autenticidade e independência profética que a Igreja do Senhor deve manter à custa até de sangue?
    Bem disse o Senhor Jesus: "Quando pois vier o Filho do Homem, achará por ventura fé na terra?"

    Pr Ubiratan Panizzi de Souza - Juiz de Fora-MG

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  7. Parabéns pelo blog, já me tornei um seguidor e agora espero por você em meu blog, um abraço.

    José Luiz dos Santos

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  8. Caro Leonardo,
    Excelente texto.
    Ainda é dificil encontrar o discernimento entre questões que envolvem fé, política e sociedade.
    Abraços,
    Marco Pinheiro (antigo colega do inpi)

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