quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Cristo e os mandamentos

Penso que o resumo de Jesus dos mandamentos é uma re-interpretação da relação com Deus. O judaísmo acostumara-se à uma religiosidade extremamente litúrgica e verticalizada. Cumprimento de normas, apelos fundamentalistas, "agradar" a Deus para receber algo em troca. Quando Jesus resume a Lei, Ele re-orienta a relação com Deus, pois a coloca na mesma dimensão e na mesma importância da relação com o próximo. Para Cristo, não há relação com Deus, nem religiosidade, que não se comprometa com o próximo. Ele ensina que o que vem de Deus é comunitário e que é impossível chegar a Deus ou agradá-lo sem percebê-lo nos rostos humanos (Mateus 25).

Contudo, depois de 2.000 anos e várias peregrinações, me parece que o cristianismo brasileiro, pelo menos o mais numeroso e midiático, fruto da herança puritano-pietista, voltou a ser um complexo sistema de leis e tradições que nos levam a uma relação intimista com Deus. Essa relação intimista se manifesta num culto verticalizado e na observância de regras do tipo "fazer-não-fazer-farisaico". O que vemos não é, de fato, uma religião que consiga "alvoroçar o mundo", como disseram os tessalonicenses nos Atos dos Apóstolos... Estamos mais preocupados em oferecer às pessoas uma comunidade na qual se sintam acolhidos, amados e respeitados, sem, contudo, lutar contra a causa objetiva do sentimento de abandono, desamor, desrespeito e "desumanização". Minha impressão é de que perdemos o foco e necessitamos rever profundamente nosso paradigma cristão.

Para concretizar a compreensão de Cristo dos mandamentos em nossas vidas, creio que precisamos nos envolver numa luta para compreender o caminho que nos troxe até aqui, e, como Cristo, encarnarmos. Tornar-se carne deve ser o objetivo de cada um de nós. Carne que ouça os clamores do mundo. Carne que seja capaz de ouvir o que Deus ouviu, como nos relata o Êxodo: "Eu ouvi o clamor do meu povo que sofre..." Não sejamos mais perpetuadores da ordem vigente, mas, como Cristo e os primeiros cristãos, revolucionários e possibilitadores de um novo tempo.


Que Deus nos ajude!

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pra início de conversa...



Para iniciarmos essa jornada, sugiro a leitura de alguns pensamentos que podem iluminar nossa caminhada. São opiniões de católicos, protestantes e sociólogos, todos estudiosos do campo religioso brasileiro.


“Quanto maior a liberalização do mercado religioso, esse outro nome sociológico da liberdade religiosa, tanto mais dinamizada fica a concorrência entre as agências de salvação. Isso força as empresas de bens religiosos a produzirem (depressa) resultados palpáveis, seja para os clientes, seja para si mesmas. Para os clientes, os resultados buscados devem aparecer no mínimo sob a forma de experiências religiosas imediatamente satisfatórias – o êxtase, o transe, o júbilo, o choro, o alívio, enfim, a emoção – ou terapeuticamente eficazes, e, no máximo, sob a forma de prosperidade econômica real; para as empresas religiosas (igrejas e cultos), os resultados visados se põem em termos de crescimento e faturamento da organização, expansão da clientela, fixação mercadológica de suas marcas diferenciais e popularidade das lideranças-ícone”. (Antônio Flávio Pierucci, citado em “Matriz Religiosa Brasileira”, de José Bittencourt Filho. Ed. Vozes).


“Por fim, um novo “mercado da fé” se instala e ameaça, em profundidade, as igrejas da tradição católica e da Reforma. Em muitos momentos, não está diretamente em questão nem o Evangelho de Jesus, posto que algumas dessas denominações se chamem cristãs, nem mesmo a Deus, embora se fale de religião e fé. Busca-se responder com oferta de bens simbólicos às necessidades imediatas e materiais das pessoas mais sofridas, sem, porém, modificar a realidade objetiva causadora de tais sofrimentos”. (João Batista Libânio, no prefácio de “Teologia Prática no Contexto da América Latina, de Christoph Schneider-Harpprecht (org.). Ed. Sinodal).


“Nossas igrejas estão perdendo a iniciativa de missão e entraram em crise. E me referi a duas causas desse malogro: (1) o fato de que a igreja é parte integral da ordem dominante da cristandade ocidental, e assim está orientada para a preservação do sistema estabelecido e não para sua transformação; e (2) a totalidade da estrutura da igreja, que se desenvolveu através dos séculos nesse contexto, representa uma instituição estável e acomodada na sociedade. Seu ministério profissional e a natureza do seu programa encontram-se unidos na criação de uma comunidade que ministra os interesses e as necessidades de um povo cuja maioria apenas deseja sentir-se em casa nessa sociedade e não a ser desafiada a comprometer suas vidas na sua transformação no Reino de Deus”. (Richard Shaull, num Encontro de Seminaristas em 1958, sobre o tema “A crise atual na missão da igreja”, citado no livro “Surpreendido pela graça”, de autoria do próprio. Ed. Record).


O que estes textos dizem para você?