sexta-feira, 24 de abril de 2009

"O solitário perguntar zomba de mim..."

Quarta-feira. Fim da reunião de oração em nossa Igreja. Na saída, ouço algumas senhoras, entre elas minha mãe, discutindo sobre a hora que teriam de sair de casa para marcar o exame preventivo (ginecológico "Papanicolau"). "Três horas" - disse uma. "Não" - retrucou outra - "Saindo às quatro dá pra marcar". Veja bem: três ou quatro da madrugada! E para marcar para julho ou agosto...

Quinta-feira. Depois de um dia intenso de trabalho, desço no ponto do ônibus às 22h30. Recusando-me à subir o morro onde moro andando, permiti-me o luxo de tomar um táxi. Vendo-me bocejar, o taxista me perguntou se estava cansado. Respondi positivamente já pensando no horário que acordaria no dia seguinte. "Então está como os brasileiros", disse ele. "Exceto os jogadores de futebol", completou indignado, emendando num desabafo. "Sabe, sou bombeiro salva-vidas. Há alguns anos atrás, quando o Zico voltou para o Brasil, eu estava trabalhando na praia de Copacabana. Naquele dia o mar estava muito agitado. Praia cheia. Já tinha realizado diversos salvamentos. De repente a praia se esvazia. Um caminhão do Corpo de Bombeiros é seguido por uma grande multidão que ovaciona alguém. Ouço gritos. "Meu herói". "Meu ídolo". Várias pessoas que eu tinha salvado das águas estavam ali. Mas não gritavam para mim nem para outros bombeiros. Gritavam para o Zico! Larguei o serviço e entrei no primeiro boteco que encontrei...".

Sexta-feira. Pensando ecologicamente, subo para o segundo andar onde trabalho pelas escadas. Lá está a zeladora do prédio, lavando os degraus e cantarolando. Aquela música não saiu de meus ouvidos: "Vou passando pela prova dando glória a Deus. Glória a Deus, glória a Deus ".

Três dias, três experiências diferentes, com realidades muito próximas. Poderiam ser 365 dias. Em todos eles esses quadros se repetem. Por vezes são ainda mais dolorosos.
Como compreendê-los? Como enfrentá-los? "O solitário perguntar zomba de mim..."


QUEM SOU EU - Dietrich Bonhoeffer*


Quem sou eu? Seguidamente me dizem
Que deixo a minha cela
Sereno, alegre e firme
Qual dono que sai do seu castelo.

Quem sou eu? Seguidamente me dizem
Que falo com os que me guardam
Livre, amável e com clareza
Como se fosse eu a mandar.

Quem sou eu? Também me dizem
Que suporto os dias de infortúnio
Impassível, sorridente e altivo
Como alguém acostumado a vencer.

Sou mesmo o que os outros dizem a meu respeito?
Ou sou apenas o que sei a respeito de mim mesmo?
Inquieto, saudoso, doente, como um pássaro na gaiola,
Respirando com dificuldade, como se me apertassem a garganta,
Faminto de cores, de flores, do canto dos pássaros,
Sedento de palavras boas, de proximidade humana,
Tremendo de ira por causa da arbitrariedade e ofensa mesquinha,
Irriquieto à espera de grandes coisas,
Em angústia impotente pela sorte de amigos distantes,
Cansado e vazio até para orar, para pensar, para criar,
Desanimado e pronto para me despedir de tudo?

Quem sou eu? Este ou aquele?
Sou hoje este e amanhã um outro?
Sou ambos ao mesmo tempo? Diante das pessoas um hipócrita?
E diante de mim mesmo um covarde queixoso e desprezível?
Ou aquilo que ainda há em mim será como exército derrotado,
Que foge desordenado à vista da vitória já obtida?

Quem sou eu? O solitário perguntar zomba de mim.
Quem quer que eu seja, ó Deus, tu me conheces,
Sou teu.


*pastor luterano. Na Alemanha nazista se opôs à Hitler. Inicialmente ofereceu resistência pacífica. Mais tarde, aliou-se a membros do estado-maior das forças armadas alemãs que resistiam ao Führer. Foi preso e executado em 9 de abril de 1945.

Um comentário:

  1. Bah... Essa do Zico foi um chute no meu estômago!

    Se pelo menos fosse o Dr. Sócrates... hehehehehehehe...

    Falando sério... Naquela época o heroi era o Zico, pelo menos! Hoje nossos herois só têm iniciais: 3B's!

    Paz & Bem!!!

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